terça-feira, 25 de setembro de 2007

Pirataria pode?

De Bruno Vaks

Já esta ficando chato. Todo lugar que eu leio, todo o lugar que eu vou, tem alguma coisa relacionada ao filme que ainda não estreou. O já consagrado blockbuster brasileiro “Tropa de Elite”. Nunca vi coisa igual. Aqui ao meu lado, estão assistindo nesse momento. Meu pai se rendeu aos apelos uníssimos da rua Uruguaiana e trouxe um exemplar para casa. Todos já viram e comentam. Menos eu.

Daqui a pouco não vou conseguir nem olhar para o filme de tanta ojeriza que criei dele. Dizem que está muito bom, que as interpretações estão sensacionais. A polícia briga com os produtores por uma fatia de mercado. Os produtores brigam com os camelos que estão vendendo o filme pirata e por aí vai. Calorosas discussões tomaram corpo sobre a pirataria. Uns são contra, outros a favor. Outros são chamados de hipócritas. Outros de modernos, antenados e por aí vai.

Eu, nesse caso, estou no grupo dos hipócritas. Digo isso, não porque seja um, pelo contrario, mas na questão do filme, sim eu sou. Se agüentar, irei assistir somente no cinema, mês que vem. Não me renderei à pirataria. Vou lá e deixarei meu dinheirinho para a indústria e seus investidores. Ainda não consegui parametrizar o meu patriotismo cinematográfico, porque não tenho dó em baixar as mais diversas musicas da internet. Alias, nem me lembro quando comprei meu ultimo CD. E agora estou esbravejando contra a pirataria. Sou adepto do livre comercio dessas mercadorias. Escuta-se o som quanto quiser e o quinhão dos artistas viria de outras coisas, como aparições publicas, propaganda, shows, shows e shows

A música seria como um “comercial” do artista podendo ser “degustada” em show. O artista ganharia por ter sua obra vista ao vivo. Lá ele sentiria a emoção que o publico tende a sentir quando vai para esses eventos. No mais, tudo é valido, pois o que globalizou, já era.

Então aproveite que a maré está boa, se encha de conhecimento, já que o futuo a d´s pertence.

domingo, 23 de setembro de 2007

Por um Fio de Memória

De Simone Silveira
(dedicado à Jeanette Munõz Schrag, filha de Consuelo Perez)

Era o aniversário dela, senhora Connie, 86 anos, residente há dois, na casa de repouso Centro para Idosos Pilar.

—Olá, Connie, como está? Feliz cumpliãnos, eu lhe desejei em sua língua materna. Ela riu e me perguntou se iria visitá-la na manhã seguinte. Eu lhe disse viver a cinco mil quilômetros dela. Teria que planejar uma viagem para vê-la brevemente. —Você vem me visitar amanhã?, repetiu ela, como se a pergunta fosse tão fresca como seus anos adolescentes, naquelas tardes que antecederam a Segunda Guerra Mundial.

Connie foi mulher à frente do seu tempo. Enquanto as meninas bordavam, ela passava as tardes num aviãozinho bimotor sobrevoando o vilarejo na companhia de Armand, cadete da aeronáutica.

Ele era lindo, sempre diz Connie, com lágrimas quase secas minando dos olhos e revirando as poucas memórias que ainda carrega. Casaram-se e tiveram uma filha. Ele foi servir ao país na guerra. Ao término desta, veio o alívio, que durou uma fração de tempo de uma vida feliz. A menina tinha três anos de idade quando receberam o telegrama informando à família que o avião pilotado por Armand trazendo prisioneiros de guerra tinha sido abatido pelos alemães durante a decolagem. Em solo francês jaz o corpo do marido.

Connie, viúva aos 24 anos, ainda casou-se mais quatro vezes. Separou-se de todos eles, sob a alegação de que os ex-maridos, sem exceção lhe cortavam as asas. Se tornou psicóloga. Comprou carros conversíveis velozes. Virou pintora de paisagens bucólicas—as planícies amareladas pelo sol insistente do Novo México e a cidade de San Francisco sob a neblina farta. Não bastando os pincéis, voltou-se à arte primitiva de fazer vasos de cerâmica. Na roda, ela girava e moldava suas peças, todas disformes, livres da exatidão, da linearidade da forma que jamais vivenciou.

Connie, agora, lembra-se de muito pouco, nem chora quando fala de Armand. Ainda não esqueceu que é mãe de uma filha. Sua memória é um fio frágil e delicado, como os fios de ouro utilizados em bordados de capas reais na Idade Média. Eu faço o erro grave de perguntar-lhe se gostaria de rever seus bisnetos. Ela se assusta. —Bisnetos, tenho eu bisnetos?, responde ela com palavras trêmulas seguidas de uma gargalhada potente, confusa, louca. Silêncio. Ela me pergunta se irei visitá-la no dia seguinte. Desligo, ciente de que eu também, já caí em esquecimento.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Relato do "Imperador"

Por Simone Silveira




Sou um ser andarilho. Não foi nada fácil dizer adeus àquela Ilha—o jardim, às plantas, mais de duzentas fincadas no solo nos últimos três anos. Fica a esperança que as alfazemas sobreviverão mais um ano sem o meu cuidado diário de noventa e oito dias exatos todo o verão. Consegui colher pêssegos da árvore plantada no ano passado. Duas maçãs tímidas ainda amadurecem na macieira. A horta foi minguando aos poucos e meu coração também, afinal sou orgânica. Minhas mãos cavaram três buracos admiráveis, misturaram à areia seca e amarelada, um bom monte de esterco feito de algas marinhas. Lá estão agora, já se enraizando em terra boa, três árvores de folhas picotadas avermelhadas, Japanese Maple. Lindas. Sei que elas crescerão robustas apesar de tanto vento e sal nos galhos e tronco.

Durante a viagem de volta à cidade de Nova Iorque meus olhos só viam a mata. O outono chegou, as folhas secam e amarelam. Paramos em uma cidadezinha histórica. Descrevi e analisei cada jardim—as flores e arbustos, a geografia, a relação destes objetos entre si e o espaço. Meu marido comentou que eu só via as plantas e não a arquitetura tradicional do local. Me calei. Dentro de mim procurei encontrar relação entre o comentário e minha vida. Até onde não estou conseguindo levantar a cabeça, meus olhos e descobrir algo novo, ainda que velho?

Chegar foi desalento. Me desabituei das ruas sujas, dos pombos, da multidão. Estranho entrar no meu apartamento fancy em Nova Iorque. O chão preto e meus tapetes orientais me chocaram, assim como o meu fogão industrial de seis bocas, peça fundamental nas festinhas e saraus. Como acumulei tanta tralha nestes anos todos? Precisarei limpar superfícies, doar o desnecessário. Felizmente o fogão fica. Para sempre gostarei de ter gente na minha casa e de alimentar o outro, mesmo apreciando a minha privacidade.

Coloquei as malas no chão do corredor e a campainha tocou. Tocou algumas vezes. Em meia hora, havia três vizinhas e oito crianças correndo pela casa. O apartamento foi virado ao avesso em questões de segundos. Não me importei, ali nascia uma alegria. Minha ausência fora sentida e o meu retorno esperado. Gosto de gente. Penso ser este gosto um ato recíproco.

Enfim desabei de cansaço. Na cama, senti o cheiro do meu travesseiro, experimentei a sensação familiar do peso do cobertor sobre o corpo. A Ilíada lá, repousada na cabeceira, me esperando. Priam, rei de Tróia, suplicando o corpo do filho morto, Hector, a Aquilles. Este, mesmo corroído de ódio, consegue ainda se comover e devolve o corpo do inimigo. Li mais uma vez este trecho que ao longo dos anos sempre me tocou pela profunda capacidade do homem de entender a dor alheia. Apaziguar o próprio ódio nas entranhas. Do meu quarto, dos meus livros, da casa não, tive saudades. Dormi bem e em paz.

No dia seguinte, deixei o Brooklyn e fui à Manhattan. Subway lotado—gente, carrinho, barulhos, sacolas, lixo. Para qualquer um, menos para mim, é tão fácil andar pelas suas ruas planejadas em grade, como o velho conhecido jogo da velha. Já revirei os subúrbios cariocas divulgando teatro, já desvendei os mistérios dos becos e ruelas de Lisboa com êxito. Em Manhattan, eu me perco por ser tão exata. Andei muito, por ruas longas, contei quarteirões extras. Quem sabe mais do que pensei ter caminhado?

Os pés calejavam. No campo, eles são libertos de qualquer sapato. Porém, neste exato instante, é aqui onde habito. Existo.

(a palavra Imperador no título é uma referência à carta número quatro do jogo de tarô que simboliza o poder, a afirmação, a iniciação, firmeza e consistência)


terça-feira, 18 de setembro de 2007

Sobre memória, física quântica e minha cidade

Por Aline Yasmin

Acredito em algumas questões tais (que não poderia discorrer perfeitamente por ser imprecisa em dados teóricos) de que creditam a possibilidade de nossa energia ficar - impregnar-se nas coisas e nos lugares. Além disso, a física quântica pelo que sei, entende que a “noção de ordenação temporal dos acontecimentos torna-se insustentável e a não-causalidade é vista como conseqüência natural de suas teorias” (*). Ou seja, rompe o conceito linear de tempo e espaço. Acontecimento e história.

A Praia do Canto é um dos bairros mais charmosos desta cidade. Berço da tradição local, tornou-se também boêmio, fashion, asfaltado e sinalizado. Morei durante muitos anos em algumas de suas principais ruas, coincidência ou não, sempre em prédios antigos com aquele ar de nostalgia e de história. Lugares cheios de charme – pelo que entendo de charme – e intimismo, ainda que desvalorizados comercialmente. Meus amigos sempre me fizeram refletir sobre minha identidade associada à semelhança desses lugares marcados por pés direitos altíssimos, pisos de madeira, salas confortáveis e, claro, longe do comodismo dos condomínios impessoais com seus elevadores, porteiros mal humorados e vizinhança a balde.

Filhos crescendo e me rendi: condomínio, playground, seguranças e a modernidade suprimiu o romantismo. Rompi, deixei meu velho sobrado pra trás e confiei no pragmatismo de minha mãe – era melhor.

As ruas mudaram em minha cidade. Agora mudam as casas. Pode parecer conservador de minha parte, mas acho que eu mudei de cidade e ela ainda não mudou de mim. A minha inquietude é de garantir minimamente a paisagem em meu percurso rotineiro – nem que isso seja apenas pra me nortear. Acho que a paisagem traz um vínculo com o próprio ser que habita esse lugar. Paisagem enquanto arquitetura, enquanto patrimônio histórico, natural e pessoal.

Sinto que minha cidade está fugindo de mim ou daqueles que ainda moram nela - naquela. Não sei o que farão com esse sentimento – essa “apatridamento” – ou seja, estamos estrangeiros – apátridas afetivos - no lugar onde nascemos. Percebo – insisto – quase um discurso moral conservador, mas creio que devam existir sentidos.

Em nome de um crescente desenvolvimento ou de uma perversa lógica imobiliária, estão arrancando nossas almas, soterrando nossos sentimentos com enormes escavadeiras para amontoar suas paredes de papel.
A promessa é apagar o Convento da Penha, que agora pouco se vê – sufocado pelo crescimento vertical, encobrir o Monte do Mestre Álvaro e destruir as edificações históricas (que devem ser consideradas desperdícios em terrenos especulados). Contabilizo diariamente as baixas em nome do progresso no curto caminho que faço.

Parece ironia, mas Ouro Preto – que é historicamente muito mais jovem que Vitória – hoje é considerada patrimônio histórico. O fato é que a cidade cresceu com a exploração do ouro e pelo mesmo ouro – esgotado, foi abandonada, além da sua importância política, posteriormente perdendo o status de capital. Isso garantiu sua permanência, sua história e ainda que recente - pareça tão longínqua, o que me faz concluir que se o crescimento econômico continuasse, não teríamos suas belas ruelas e fachadas como memória.

Hoje como sempre faço, passei por um dos lugares onde morei. Desses que sempre me orgulhei, como se (mesmo rendida aos tediosos condomínios), dissesse um pouco de mim. É normal ter alguém ao meu lado e eu falar: “- Vivi x anos aí.” Adorava essa casinha velha. Na sequência, sempre um comentário de uma cena que merece ser lembrada. No sobradinho amarelo eu fiquei 06 anos. Ele tinha aqueles problemas clássicos dos apartamentos antigos, mas estava entre os meus preferidos, conquistado depois de tempos de espera.

Para minha grande surpresa o pequeno sobrado amarelo não estava mais lá. Várias máquinas removiam a terra do que um dia foi minha sala e minha cozinha. No fundo, um árvore solitária da área externa fazia companhia a pintura – ainda guardada – feita pelos meus filhos com o nome de um deles: Renzo. Confesso que me surpreendi por isso também. Seu nome foi preservado na parede por 04 anos depois de que saí de lá.
O piso, os gradis e o velho vitral da fachada se desconfiguraram – agora são peças desarmonizadas, um quebra-cabeça espatifado no ar.

Tanta incorporação talvez justifique o crescimento de várias lojas com móveis maravilhosos de madeira-de-lei-de-demolição. Penso com antipatia numa delas na mesma rua e na possibilidade de encontrar revisitadas a porta e seus vitrais transformados em cristaleira.

Fecho os olhos. Os carros buzinam. Lembro dos pezinhos balançando no pequeno muro, do vigia da rua batendo papo no portão, do pé de manjericão vizinho ao Flamboyant que florescia vermelho.

Meus filhos não mais poderão contar suas histórias, não poderão mostrar a casa onde viveram sua infância. Talvez nem se lembrem mais, perdidos na própria cidade onde estavam e o que faziam por lá.
Estrangeiros sem memória vivendo no mesmo lugar?

O caminhão parado a frente carrega a placa que sentencia:
Luxuoso, 1 por andar, com 02 vagas de garagem, financiamento direto.

Espero a placa atravessar.

Não é mais a mesma rua, as árvores também mudaram de lugar. É preciso seguir em frente: lógica do descarte (ou seria Descartes) assumindo seu lugar.

Volto às teorias quânticas: “No princípio da não-localidade, e que diz que algo pode ser afetado mesmo na ausência de uma causa local; especulam sobre viagens para trás ou para adiante no tempo; explicam a pré-cognição.” (*)

Sustentada por essas terorias, uma esperança suscita. Parada sob os motores da escavadeira - cogito: Posso ainda estar lá?


(*)citações da Dra. Cintia Xavier

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O que existe entre Eu, Epicuro e Aracru

Por Aline Yasmin

- Você conseguiria viver numa casinha fora da cidade e perto da natureza?
Acordei com essa pergunta escorrendo em meus ouvidos. Eram 8 da manhã e meus olhos não estavam totalmente abertos. Eu sentia ainda aquele torpor Alpha de quem está se religando ao mundo depois de uma deliciosa noite de sono.
Os pássaros pararam de cantar há tempos e o dia parecia noite - chovia.

Considero-me uma pessoa urbana daquelas que transitam instintivo ou racionalmente em qualquer lugar do mundo onde haja concreto, semáforos, motores e atividades afins. Risco a geografia mentalmente e vou sem o menor complexo das diferenças geoculturais, norteada pela “segurança” do mercado global: até meu Fox brasileiríssimo anda pelas ruas de sua gênese tedesca. O fato de eu fluir – no sentido fluência – em espaços urbanos tão naturalmente, também não quer dizer que seja esse meu estado natural e nisso consiste o dilema – ser-natural numa essência não-natural. Espero me fazer entender.

O mar em Caraíva é um misto de sal e doce – muito sal e muito doce: mistura do rio que desagua e divisa o pequeno vilarejo. As ruas são de areia fofa e o meio de transporte mais eficiente é o jumento – bicho trabalhador. Seu Beto tem aproximadamente 60 anos e guarda ainda uma certa urbanidade – talvez no corte de cabelo que insistiu em se moldar e nos modernos aros do óculos de grau – dando-lhe um ar de universalidade. Partiu de São Paulo antes que São Paulo o partisse no meio. Era industrial bem sucedido mas a vida já não respondia mais – os excessos o guiavam. Excesso de trânsito, agendas e problemas. Não excedia em nada o tempo a si mesmo até que tirou férias depois de 15 anos e foi para uma vila antiga guardada no meio do mundo. De lá não saiu mais. O que era uma semana, virou um mês, dois anos e hoje já comemora 10, em sua pousada de frente para o mesmo mar (que muda de cor todos os dias e nunca é o mesmo)

- Rejuvenesci 20 anos. Ou seja, hoje estou 10 anos mais novo do que quando cheguei. Diz ele (eu acredito).

Com muito custo, saí da cama e fui para a varanda espiar o horizonte. Eu sempre confio na linha do horizonte quando muda o tempo. Santa Bárbara que me guia, dizem.
Sem ainda responder a intrigante pergunta, que no máximo esbocei um sorriso, levantei-me para acordar definitivamente.
Um fio rompia a massa cinza e o facho de luz me esperançava. Não que eu despreze um dia de chuva, mas em Aracruz – no nosso cantinho – gosto de caminhar na areia rente a restinga.
- Caminhar na areia faz bem pra alma, teorizo.
E na nossa praia, tem um “quê” de Bahia – (dos ventos quentes do nordeste) e guarda um pouco da “arquitetura” nativa das pedras e das árvores que se debruçam espontâneas na praia. Gosto de sentar nas raízes generosas que me aninham.

O trânsito – no empenhado compromisso de melhorar nossas vidas – anda “complexo”. Coisa pra quem entende de geometria analítica e lógica aristotélica. Eu, pra me manter em dia, ando consultando algumas teorias. – Tempos de mundanças – creio eu. Choro atrasada e confio. O tempo nunca dá tempo. Vejo livros amontoados pedindo socorro ao lado de minha cama. Meus arquivos e esboços criativos perdem seus prazos. A cidade cresce e eu encolho – digo. Não é mais possível fazer uma caminhadinha, sair 05 minutos antes e almoçar em casa. – Os tempos são outros – agonizo.

Penso no novo amigo Beto, feliz morador de uma pousada a beira-mar e o invejo. Não a clássica inveja pobre de espírito, mas aquela inspiradora, o que me remete a alguns filósofos gregos que pregam a Ataraxia – ou seja, fugir das perturbações da alma. Os epicuristas por exemplo se guardavam em seus jardins onde tinham toda a oportunidade do mundo para exercer o logos – prazer último do homem em busca da felicidade (que ninguém sabe muito bem o que é).

A nesga se rasga e clareia o céu. Caminho em direção a areia. A bela praia quase deserta se oferece a um passeio. Penso nos gregos, nos livros esquecidos e faço planos. A apenas uma hora – onde as árvores não são de plástico, o ruído não é motorizado e vibra simbiótico com o vento. Tenho a sensação de estar em contato com o que me é mais natural – ainda que seja tão urbana.

A primeira pergunta procura seu destino e eu ainda a problematizo:
- Por que não?

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Hoje tem chopada!

De Bruno Vaks


Ufa! Finalmente olho para a página em branco e começo a dissertar sobre os acasos da vida que sempre nos acontecem. Ao andar pelas ruas, você tem a possibilidade de encontrar os mais diversos tipos e as mais diversas situações podem ocorrer contigo num piscar de olhos.

E é claro que uma dessas ocorreu comigo. Na verdade ela costuma ocorrer duas vezes ao ano. Nos meses de março e agosto, dezenas de jovens aparecem pintados, sem um dos sapatos, com um copo de plástico na mão e um sorriso na boca. Vale lembrar que isso é na maioria dos casos. No vai-vem diurno da pressa das pessoas, aqueles jovens simpáticos abordam qualquer pessoa que acham que valha e pedem uma “contribuição”, já que são os famosos calouros da faculdade. Essa contribuição é para pagar o pedágio das roupas apreendidas e para financiar a chopada dos veteranos. Uma animada confraternização, que simplesmente é pura azaração.

Mas o fato não é esse. Diferente de outras abordadas, essa não me apetece muito. E não é porque sou sovina nem nada. É muito difícil para eu não dar uma contribuição. Aquelas meninas no começo da vida adulta pedindo um trocado é de matar.... (o velho). Já reparou na cara das pessoas quando não ajudam. Elas ficam sem graça e muitos inventam desculpas. “Pô hoje não vai dar”, “Cara só tenho nota de R$50”, “Vai entornar hoje hein?” são uma das respostas que ouvi. Eu mesmo, já falei isso, depois de ajudar duas pessoas no mesmo quarteirão em Ipanema. Com a proliferação de escolas e universidades, as ruas ficam infestadas deles zanzando pedindo contribuição. Um fator que acho mais absurdo ainda é que muitos viajam cerca de 30 km para pedir essa contribuição. Como sair de Niterói e pedir a caixinha no Leblon. Afinal como se estão sem um sapato, sem uma camisa, totalmente pintados e sem dinheiro? Uma pergunta que é difícil de calar.

Depois de ficar constrangido em não ajudar um calouro semana passada, vi logo a frente um menino de rua pedindo dinheiro para comer. Diferente do calouro, o garoto estava com roupa surrada, não exibia sorriso algum no rosto e olhava impávido o frenesi dos estudantes. Verifiquei que as pessoas não pediam desculpas para o menino e também não davam satisfações a ele. Simplesmente diziam não quando outras muitas ignoravam. Aí quis traçar um contraponto entre a tristeza e alegria dos jovens hoje em dia. Enquanto uma pequena parcela com poder e anseios, pede animadamente um dinheirinho para beber com os novos colegas da faculdade, uma grande parcela pede um dinheirinho para sobreviver. Não quero dizer que a culpa é nossa, ou do governo. Todos sabemos que falta política social e educacional em nossas metrópoles.

A reação das pessoas é que tornou a pobreza, uma questão secundária para nossas visões indvidualistas. Gosto de dizer que nós jovens, somos traçados pelo indivualismo unilateral. Isto é, vivemos para si e às vezes vivemos para os outros, os famosos entes queridos. O que eu notei foi a fantasiosa falsa impressão de bondade que todos nós, na intensa correria do dia-dia esquecemos de ver. Aprendemos a não ajudar aos outros pelo fato de que assim, o pedinte nunca sairá daquela situação que se encontra. Muitas vezes deixamos de ajudar uma criança, porque sabemos que a mãe irá embolsar a quantia e gastar com outras coisas, como bebida e cigarro, enquanto essa criança poderia estar na escola.

Mas a outra parcela que está ingressando na faculdade poderia fazer com esse dinheirinho, uma coisa mais nobre. Me lembro de quando entrei na faculdade e não escapei do trote,e fui parar numa das avenidas mais movimentadas do centro, pedir uma contribuição. Um conhecido meu riu ao me ver e continuou, abordei um grupo de japoneses engravatados que não ajudaram e depois de penar por horas no sol, assisti de longe a bebedeira daqueles que seriam o futuro de nosso país.

Por isso que hoje durante esses meses, evito sair cheio de trocados pelas ruas para que não possa passar pela vergonha de ajudar um jovem a beber com os amigos do que ajudar um jovem com fome. E para aqueles que não concordem comigo, ou não achem certo o ponto de vista levantado, que prestem atenção nos murais por aí, por que uma nova chopada vem chegando.

Feira

Por Simone Silveira

Feira é sempre maravilhosa, seja lá onde for, do Brasil à Turquia não há muita diferença não. São todas caóticas, são
todas criativas, são todas convidativas e a gente se perde, em meio de tralhas, comida, flores, temperos, gente, bicho. Feira de São Cristovão é forró. Mercado de Istambul é cheiro de chá de maçã seca e tapetes luxuosos. Feira de Martha's Vineyard é feira florida. Feira africana na Ilha de Maurício é labirinto de saris indianos. Feira da Praça da Gávea é pra comprar peixes pro seu gato. Feira do Campo do São Bento em Niterói é pra se perder em meio de bibelôs e artesanato. Feira do Embarcadeiro em San Francisco tem gosto de mel e tortilhas mexicanas. Mercado das Pulgas em Paris é pra achar cacaréus e quinquilharias preciosas. É na feira que eu conheço o país, a cidade, o povoado. Feira é de gente e para gente—gente pobre, gente rica, gente preta, gente branca, gente velha, sarada, todo tipo de gente. Porque eu gosto de ser gente, onde vou, onde passo, meus olhos se abrem. Em qual esquina, em qual rua, haverá uma feira?


Feira na Ilha de Martha's Vineyard, MA, USA.

sábado, 1 de setembro de 2007

Sobre alteridade e meus filhos

Aline Yasmin

Lucca chegou da escola correndo como sempre – crianças sempre correm. Renzo, mais contemplativo, somente resmunga um pouco de alguma coisa do caminho com ar de espanto, o que é totalmente diverso da expectativa que tive sobre suas personalidades quando ainda eram bebês. Minha irmã Elian admirada com a placidez de Lucca – ao contrário de Giulia, minha sobrinha – sempre me dizia: “…você tem um anjo, minha filha…” era de fato, um bonecão bolachudo e com três redemoinhos – um a cair pela testa, que lhe davam um perfil angelical, somado ao fato de estar sempre com olhos arregalados, atentos, mas completamente silencioso. Renzo, nasceu com a pá virada, embora no banho – ao contrário do irmão – sempre fazia festa. Chorava copiosamente e o peito – seu alento – tinha que estar disponível para apartar o grito desenfreado.

A bola corre lá fora na quadra descoberta. Eu na janela de meu quarto, vejo o menino suado embrenhando-se estratégia adentro com um sorriso campeão. Renzo, brinca com outra bola no canto e ajuda um bebê nos seus primeiros passos. Lucca, faz gol e comemora enérgico. Renzo sorri vitorioso e conivente com os passinhos dados pelos pés emparelhados na grade lateral. Ambos trazem ideais dentro de si.

Sou irmã gêmea univitelina. Essa não é propriamente uma escolha, mas uma grande experiência. Viver a identidade ou a falta dela é estar em contínuo contraponto, na medida em que geneticamente idênticas, escancaramos nossas vivências e a perspectiva traçada. Acabo concordando com os existencialistas de que a “existência precede a essência”, na medida em que nos fazemos, nos construímos ao longo de nossa vida. Sempre nos é cobrado um assemelhamento e acabamos por transferir para nossa relação o que gostaríamos de ver no outro. Gêmeo ou não,

Ir ao supermercado pode ser uma grande dialética: enquanto tento agradar ao Lucca – que adora Kani, desagrado Renzo que detesta. Para comprar o lanche da escola, fica ainda mais difícil: suco de uva pra Renzo, maracujá para Lucca, biscoito doce para Renzo e salgado para Lucca. Outro dia, comprei quilos de mamão despejados no carrinho, acreditando ser consenso da família e descobri que era apenas fruto da obsessão de Renzo. Comemos eu e ele por uma semana, mamão em todas as refeições. Lucca não gosta. Caminho assim, na tentativa respeitosa de estabelecer um diálogo sobre coisas mais profundas. A escola por exemplo, os amigos do condomínio e situações outras que nem sempre dá pra escolher. Entendendo que estão ali e também não podem ser removidos sob a nossa vontade.

Escolher ou não escolher. É um instante ou uma década. Não tem jeito, como diz meu amigo Sartre: “Tentar fugir é agir em má fé”. Ou como diz Heidegger: “um ser inautêntico”. De todas as formas, uma coisa é certa: estamos aqui, jogados no mundo, diante de perspectivas subjetivas ou concretas. É possível escolher um amigo? Acredito que sim, ao ser também escolhido. Mas, para tal não é necessário estabelecer uma negação sobre ele. É impositivo respeitá-lo, ainda que deixando claro os próprios limites como um código silencioso e ético de conduta.

Assim, Lucca corre sedento atrás da bola, Renzo não participa do time e escolhe brincar com uma criança menor. Ambos indiferentes ao desejo do outro, sem negá-los. Sem deixar de se amarem. Cada um no seu espaço, compreendendo ali sua missão, seu aqui e agora.

Alteridade pura. Pura ética.