Acredito em algumas questões tais (que não poderia discorrer perfeitamente por ser imprecisa em dados teóricos) de que creditam a possibilidade de nossa energia ficar - impregnar-se nas coisas e nos lugares. Além disso, a física quântica pelo que sei, entende que a “noção de ordenação temporal dos acontecimentos torna-se insustentável e a não-causalidade é vista como conseqüência natural de suas teorias” (*). Ou seja, rompe o conceito linear de tempo e espaço. Acontecimento e história.
A Praia do Canto é um dos bairros mais charmosos desta cidade. Berço da tradição local, tornou-se também boêmio, fashion, asfaltado e sinalizado. Morei durante muitos anos em algumas de suas principais ruas, coincidência ou não, sempre em prédios antigos com aquele ar de nostalgia e de história. Lugares cheios de charme – pelo que entendo de charme – e intimismo, ainda que desvalorizados comercialmente. Meus amigos sempre me fizeram refletir sobre minha identidade associada à semelhança desses lugares marcados por pés direitos altíssimos, pisos de madeira, salas confortáveis e, claro, longe do comodismo dos condomínios impessoais com seus elevadores, porteiros mal humorados e vizinhança a balde.
Filhos crescendo e me rendi: condomínio, playground, seguranças e a modernidade suprimiu o romantismo. Rompi, deixei meu velho sobrado pra trás e confiei no pragmatismo de minha mãe – era melhor.
As ruas mudaram em minha cidade. Agora mudam as casas. Pode parecer conservador de minha parte, mas acho que eu mudei de cidade e ela ainda não mudou de mim. A minha inquietude é de garantir minimamente a paisagem em meu percurso rotineiro – nem que isso seja apenas pra me nortear. Acho que a paisagem traz um vínculo com o próprio ser que habita esse lugar. Paisagem enquanto arquitetura, enquanto patrimônio histórico, natural e pessoal.
Sinto que minha cidade está fugindo de mim ou daqueles que ainda moram nela - naquela. Não sei o que farão com esse sentimento – essa “apatridamento” – ou seja, estamos estrangeiros – apátridas afetivos - no lugar onde nascemos. Percebo – insisto – quase um discurso moral conservador, mas creio que devam existir sentidos.
Em nome de um crescente desenvolvimento ou de uma perversa lógica imobiliária, estão arrancando nossas almas, soterrando nossos sentimentos com enormes escavadeiras para amontoar suas paredes de papel.
A promessa é apagar o Convento da Penha, que agora pouco se vê – sufocado pelo crescimento vertical, encobrir o Monte do Mestre Álvaro e destruir as edificações históricas (que devem ser consideradas desperdícios em terrenos especulados). Contabilizo diariamente as baixas em nome do progresso no curto caminho que faço.
Parece ironia, mas Ouro Preto – que é historicamente muito mais jovem que Vitória – hoje é considerada patrimônio histórico. O fato é que a cidade cresceu com a exploração do ouro e pelo mesmo ouro – esgotado, foi abandonada, além da sua importância política, posteriormente perdendo o status de capital. Isso garantiu sua permanência, sua história e ainda que recente - pareça tão longínqua, o que me faz concluir que se o crescimento econômico continuasse, não teríamos suas belas ruelas e fachadas como memória.
Hoje como sempre faço, passei por um dos lugares onde morei. Desses que sempre me orgulhei, como se (mesmo rendida aos tediosos condomínios), dissesse um pouco de mim. É normal ter alguém ao meu lado e eu falar: “- Vivi x anos aí.” Adorava essa casinha velha. Na sequência, sempre um comentário de uma cena que merece ser lembrada. No sobradinho amarelo eu fiquei 06 anos. Ele tinha aqueles problemas clássicos dos apartamentos antigos, mas estava entre os meus preferidos, conquistado depois de tempos de espera.
Para minha grande surpresa o pequeno sobrado amarelo não estava mais lá. Várias máquinas removiam a terra do que um dia foi minha sala e minha cozinha. No fundo, um árvore solitária da área externa fazia companhia a pintura – ainda guardada – feita pelos meus filhos com o nome de um deles: Renzo. Confesso que me surpreendi por isso também. Seu nome foi preservado na parede por 04 anos depois de que saí de lá.
O piso, os gradis e o velho vitral da fachada se desconfiguraram – agora são peças desarmonizadas, um quebra-cabeça espatifado no ar.
Tanta incorporação talvez justifique o crescimento de várias lojas com móveis maravilhosos de madeira-de-lei-de-demolição. Penso com antipatia numa delas na mesma rua e na possibilidade de encontrar revisitadas a porta e seus vitrais transformados em cristaleira.
Fecho os olhos. Os carros buzinam. Lembro dos pezinhos balançando no pequeno muro, do vigia da rua batendo papo no portão, do pé de manjericão vizinho ao Flamboyant que florescia vermelho.
Meus filhos não mais poderão contar suas histórias, não poderão mostrar a casa onde viveram sua infância. Talvez nem se lembrem mais, perdidos na própria cidade onde estavam e o que faziam por lá.
Estrangeiros sem memória vivendo no mesmo lugar?
O caminhão parado a frente carrega a placa que sentencia:
Luxuoso, 1 por andar, com 02 vagas de garagem, financiamento direto.
Espero a placa atravessar.
Não é mais a mesma rua, as árvores também mudaram de lugar. É preciso seguir em frente: lógica do descarte (ou seria Descartes) assumindo seu lugar.
Volto às teorias quânticas: “No princípio da não-localidade, e que diz que algo pode ser afetado mesmo na ausência de uma causa local; especulam sobre viagens para trás ou para adiante no tempo; explicam a pré-cognição.” (*)
Sustentada por essas terorias, uma esperança suscita. Parada sob os motores da escavadeira - cogito: Posso ainda estar lá?
(*)citações da Dra. Cintia Xavier
A Praia do Canto é um dos bairros mais charmosos desta cidade. Berço da tradição local, tornou-se também boêmio, fashion, asfaltado e sinalizado. Morei durante muitos anos em algumas de suas principais ruas, coincidência ou não, sempre em prédios antigos com aquele ar de nostalgia e de história. Lugares cheios de charme – pelo que entendo de charme – e intimismo, ainda que desvalorizados comercialmente. Meus amigos sempre me fizeram refletir sobre minha identidade associada à semelhança desses lugares marcados por pés direitos altíssimos, pisos de madeira, salas confortáveis e, claro, longe do comodismo dos condomínios impessoais com seus elevadores, porteiros mal humorados e vizinhança a balde.
Filhos crescendo e me rendi: condomínio, playground, seguranças e a modernidade suprimiu o romantismo. Rompi, deixei meu velho sobrado pra trás e confiei no pragmatismo de minha mãe – era melhor.
As ruas mudaram em minha cidade. Agora mudam as casas. Pode parecer conservador de minha parte, mas acho que eu mudei de cidade e ela ainda não mudou de mim. A minha inquietude é de garantir minimamente a paisagem em meu percurso rotineiro – nem que isso seja apenas pra me nortear. Acho que a paisagem traz um vínculo com o próprio ser que habita esse lugar. Paisagem enquanto arquitetura, enquanto patrimônio histórico, natural e pessoal.
Sinto que minha cidade está fugindo de mim ou daqueles que ainda moram nela - naquela. Não sei o que farão com esse sentimento – essa “apatridamento” – ou seja, estamos estrangeiros – apátridas afetivos - no lugar onde nascemos. Percebo – insisto – quase um discurso moral conservador, mas creio que devam existir sentidos.
Em nome de um crescente desenvolvimento ou de uma perversa lógica imobiliária, estão arrancando nossas almas, soterrando nossos sentimentos com enormes escavadeiras para amontoar suas paredes de papel.
A promessa é apagar o Convento da Penha, que agora pouco se vê – sufocado pelo crescimento vertical, encobrir o Monte do Mestre Álvaro e destruir as edificações históricas (que devem ser consideradas desperdícios em terrenos especulados). Contabilizo diariamente as baixas em nome do progresso no curto caminho que faço.
Parece ironia, mas Ouro Preto – que é historicamente muito mais jovem que Vitória – hoje é considerada patrimônio histórico. O fato é que a cidade cresceu com a exploração do ouro e pelo mesmo ouro – esgotado, foi abandonada, além da sua importância política, posteriormente perdendo o status de capital. Isso garantiu sua permanência, sua história e ainda que recente - pareça tão longínqua, o que me faz concluir que se o crescimento econômico continuasse, não teríamos suas belas ruelas e fachadas como memória.
Hoje como sempre faço, passei por um dos lugares onde morei. Desses que sempre me orgulhei, como se (mesmo rendida aos tediosos condomínios), dissesse um pouco de mim. É normal ter alguém ao meu lado e eu falar: “- Vivi x anos aí.” Adorava essa casinha velha. Na sequência, sempre um comentário de uma cena que merece ser lembrada. No sobradinho amarelo eu fiquei 06 anos. Ele tinha aqueles problemas clássicos dos apartamentos antigos, mas estava entre os meus preferidos, conquistado depois de tempos de espera.
Para minha grande surpresa o pequeno sobrado amarelo não estava mais lá. Várias máquinas removiam a terra do que um dia foi minha sala e minha cozinha. No fundo, um árvore solitária da área externa fazia companhia a pintura – ainda guardada – feita pelos meus filhos com o nome de um deles: Renzo. Confesso que me surpreendi por isso também. Seu nome foi preservado na parede por 04 anos depois de que saí de lá.
O piso, os gradis e o velho vitral da fachada se desconfiguraram – agora são peças desarmonizadas, um quebra-cabeça espatifado no ar.
Tanta incorporação talvez justifique o crescimento de várias lojas com móveis maravilhosos de madeira-de-lei-de-demolição. Penso com antipatia numa delas na mesma rua e na possibilidade de encontrar revisitadas a porta e seus vitrais transformados em cristaleira.
Fecho os olhos. Os carros buzinam. Lembro dos pezinhos balançando no pequeno muro, do vigia da rua batendo papo no portão, do pé de manjericão vizinho ao Flamboyant que florescia vermelho.
Meus filhos não mais poderão contar suas histórias, não poderão mostrar a casa onde viveram sua infância. Talvez nem se lembrem mais, perdidos na própria cidade onde estavam e o que faziam por lá.
Estrangeiros sem memória vivendo no mesmo lugar?
O caminhão parado a frente carrega a placa que sentencia:
Luxuoso, 1 por andar, com 02 vagas de garagem, financiamento direto.
Espero a placa atravessar.
Não é mais a mesma rua, as árvores também mudaram de lugar. É preciso seguir em frente: lógica do descarte (ou seria Descartes) assumindo seu lugar.
Volto às teorias quânticas: “No princípio da não-localidade, e que diz que algo pode ser afetado mesmo na ausência de uma causa local; especulam sobre viagens para trás ou para adiante no tempo; explicam a pré-cognição.” (*)
Sustentada por essas terorias, uma esperança suscita. Parada sob os motores da escavadeira - cogito: Posso ainda estar lá?
(*)citações da Dra. Cintia Xavier
2 comentários:
O texto mais lindo que já li teu.
Nascido de dentro, assim o sinto. Deu vontade de chorar. Eu também gosto de preservar as raízes que a modernidade já não permite. Não há para onde correr senão para dentro de nós mesmos, um lugar infinito, onde corre rios de memórias, as paredes guardam os nossos mais sinceros segredos e as árvores continuam crescendo dia após dia. Este lugar, minha querida amiga, é sagrado, eles jamais conseguirão tomar posse.
Belíssimo trabalho.
Bj, simone
Coloquei o texto lá meu blog. Tinha que.
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