sexta-feira, 4 de abril de 2008

Bocas e Sinais

Por Aline Yasmin

Sinal vermelho. A massa atravessa observada pelos olhares atentos a espera. Um homem não. Fica, silencioso escorado no poste do semáforo. Coloca suas mãos coladas aos ouvidos, primeiro o esquerdo, depois o direito. Segue. A mulher esbarra com sua bolsa metálica em outra que tropeça - enquanto tenta manter a forçosa elegância. Dois homens - deselegantes fixam-se nos andares femininos, mais propriamente nas partes baixas: coxas, pernas e nádegas – acompanham olhares vívidos e cúmplices – sorriem - primeiro olham, indicam com a cabeça repetidamente até o outro concordar – sorriem continuamente, e falam alto – ê bundão! Gargalhada na seqüência. Só outro homem do lado esquerdo da calçada acompanha e entende. Uma mulher abaixa a cabeça e parece se envergonhar, tímida. A outra parece gostar e caminha mais rebolativa. Do outro lado da rua, rente à praça duas senhoras reúnem-se afobadas a um grupo que evoca a ira de Deus – e a pena dos seus Deuses furiosos contra aqueles que se rebelam – inclusive os dois rapazes que guardam suas presas indiferentes ao grupo. Um senhor de óculos, aro preto, vidros garrafais aparenta 45. Acena para a multidão enfileirada sob a faixa pedestre e diz: - venham para a salvação....uma senhora vira curiosa e pára, de longe. É provável que pelo olhar teso e triste pensa nos seus pecados, ...tanto tempo – agora talvez já redimidos, mas não demora muito e segue ajeitando o cabelo que cai sobre o rosto. Uma jovem, com ares de intelectual passa com uma bolsa preta couro legítimo arqueada em saltos finíssimos – advogada em dia de audiência, diria o senso comum. Com pressa, ignora a praça. Não tem tempo para a metafísica em dias pragmáticos. Surge um rapaz com boné de lado, calça jeans e bolsa de tecido cru, atravessada. Esse observa. Ri um pouco e propõe uma fala no microfone no palanque improvisado. - Quer dar seu testemunho? Pergunta a moça. Ele diz que quer só umas palavras. Certamente não deve ser seu testemunho e fica na fila a espera do espetáculo. A platéia se agita. Um cachorro deita ao lado da árvore - mais alta e fresca. O dia ferve – quente – primavera de verão, todos dizem entre os preguiçosos passos largos: dia quente, dia quente. Credo! Quem se diverte é o vendedor de picolé, e o também da água de côco. Os botecos mais próximos já servem uma gelada. Um senhor de mais ou menos 60 e outro de quase isso trocam cartas e fumam desde cedo - é a aposentadoria, dizem e riem, mas sem felicidade no rosto, um riso cínico, descrente, daqueles que – enquanto sorriem - uma sobrancelha sobe e a boca repuxa pelo músculo no canto até ficar curvada, e ao rirem, os olhos tornam-se para baixo - a gargalhada sobe da garganta, com o esforço de quase um pigarro. Um carro atravessa direto pela faixa cidadã. Revolta. Rapidamente umas cinco pessoas gritam para o homem que pára logo na frente pra se desculpar. Tô atrasado! – grita, tentando se justificar e seguir apressado. No mesmo instante tudo se desfaz – nada. Qualquer coisa é motivo e ao mesmo tempo se perde no movimento convulsivo de agrupamentos involuntários. Um casal caminha alheio com uma criança no colo, contorcendo-se em volta da mesa disposta na calçada para os senhores, uma barata atravessa o caminho e o homem a mata com a ponta do sapato, sem dor. A mulher suspira aliviada, a criançada que saia da escola faz festa com uma caixa de sapato, uma moça com pálpebras de pintura azul e boca vermelha manchada surge numa sacada – Vê a rua, a praça, a calçada, a gente toda que passa – e triste - sorri, fecha a cortina e sai.