quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

A Chuva

Por Simone Couto
Todos os dias, antes do menino dormir, eles seguiam o mesmo ritual---a mãe escovava-lhe os dentes. Ela sentava-se na borda da banheira e puxava a criança pelos braços magros até esta se encaixar com precisão em suas pernas roxas de varizes. A mãe deitava-lhe a cabeça no colo. Com a boca escancarada, ela escovava dente por dente. Entre uma cuspida e outra do menino, ela aproveitava e olhava-se no espelho resmungando para si mesma sobre os poros entupidos e as rugas precoces.

No quarto, ela vestia a criança em pijamas. “Como pode este já está pequeno se o comprei outro dia mesmo?”, pensou ela. O filho crescia aos seus olhos. Ela nem sempre se dava conta disto e este pensamento era uma alfinetada em sua condição de mãe.

Cada um escolhia um livro na estante ao lado da cama. Após a leitura, o menino deitava-se e aguardava o afago, não sem antes relembrá-la de deixar a porta entreaberta ao sair.

A rotina era esta, com pouquíssimas variações. Todos lhe diziam que aquele menino era um menino fácil. E era mesmo. O menino era tão maleável quanto água. Como ela só tinha aquele ali, não confiava plenamente nos comentários alheios. Inevitavelmente, se sentia exausta das nove horas diárias passadas ouvindo reclamações na companhia de telemarking onde trabalhava, além das obrigações domésticas intermináveis.

A rotina era assim até o dia em que o menino notou pela primeira vez a chuva caindo do outro lado da janela. Estupefato, ele declarou triunfante, “-Está chovendo, mamãe!”

A mãe teve o ímpeto de dizer, “-Sossega, menino, vai dormir e deixa esta estória de chuva para depois!”

Todavia uma bondade inesperada lhe brotou no peito. Esta nascida de quase um ódio máximo, onde a mãe, a ponto de perder-se na própria falta de paciência, se dá conta que ali encontra-se um menino, nada mais do que um mero menino.

“-Levanta então e vai ver a chuva.”, diz ela a ele.

“-A chuva está caindo nos carros! Eu juro. Sabia, mamãe, que a chuva é feita de água?”, ele revela com lágrimas nos olhos minúsculos.

As noites e os dias, depois daquela chuva, jamais seriam os mesmos. A mulher uma vez mais beijou-lhe a testa, desta vez satisfeita por não ter destruído um momento de descoberta do filho.



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