quarta-feira, 8 de agosto de 2007

PALAVRA É DOM E DESAFIO (*)

De Aline Yasmin

Escrever é realmente um processo interessante. É um estado contemplativo de abstração espiritual – tudo isso pra dizer a mesma coisa. Eu particularmente escrevo como quem bebe água quando está com muita sede. Posso pensar também em coisas escatológicas e ao que realmente me remete é o vômito. Talvez seja aquele estágio sartreano da náusea. Escrever pra mim é também um processo doloroso. Quando tudo transborda. São raras as vezes que escrevo porque estou muito feliz. Felicidade acho que combina com música, melodia, ainda que também possa combinar com tristeza. Acho que música combina com tudo. E eu adoro cantar, mas normalmente canto feliz ou pra expressar alegria.

Não sei escrever por encomenda – embora já o tenha feito por milhões de vezes na minha carreira publicitária (talvez seja esse um dos meus traumas) e os textos me surgem em formas diversas. Muitas vezes sou poesia, outras prosa, mas se por acaso exercito muito um estilo fica mais complicado voltar pra outro. Tenho algumas teorias complexas sobre isso, que passam da física quântica a neurociência - fácil pra quem viu o filme “Quem somos nós”, misto de teorias filosóficas, teológicas e científicas - e auto-ajuda. Vale ver e tirar suas conclusões. Ajuda.

Chico Buarque disse outro dia sobre a diferença entre escrever livros e fazer música. Quando está em um dos processos, fica difícil pensar no outro. Quando termina, corre para o outro.

Nunca parei para pensar muito sobre isso, escrevo como respiro desde que “me conheço por gente” – diria meu pai. Outro dia porém, fui convidada a palestrar para criancinhas na escola do meu filho. Foi um momento inusitado: todos em pezinhos me esperando ansiosos com olhares curiosos sobre meus gestos.

A professora fez uma abertura, agradecendo minha presença e convidou algumas delas para declamar … em poucos minutos tinha diante de mim, borboletinhas, rios desaguando no mar, pássaros em festa e flores na floresta. Eram as criancinhas com as palavras ensaiadas equilibrando-se nos pequenos e graciosos corpos - ao demonstrá-las. Debulhei-me secretamente em lágrimas. A palavra. Era o que nos unia. Crianças respeitosas e eu, que trato pensamentos como refugo do que nego. Como vômito, numa experiência visceral do ego.

Na sequência, as perguntas me achataram. Encolhiam-me pela dignidade que davam ao fato, até que finalmente uma me trouxe a nocaute: “Tia, é bom ser uma poetisa ? (que eu sempre nego – ao afirmar-me poeta) …você pode fazer as pessoas felizes! ” A ingenuidade da pergunta e ao mesmo tempo afirmativa me colocava em cheque. Faria mesmo alguém feliz? Muitos me fazem (pensei)

Teria eu essa pretensão? E enfim, por que escrevo? Pra quem escrevo?

Minhas têmporas carregavam no carmim…não saberia responder suas perguntas (crianças espertas) - E o que é pior: nem a mim mesma.

Cheque-mate.

Ensaiei um coro no final e cantamos juntos. Todos felizes.


(*) o título é na verdade uma frase de um poema meu (seu, nosso).

Um comentário:

Aline Yasmin, Bruno Vaks e Simone Silveira disse...

Aline,

sua experiência foi impressionante.

Acho que primeiramente escrevemos para nós mesmos,não? Para não implodirmos.Tb não sei escrever quando estou feliz.No meu estado de felicidade, vivo, não reflito.

Texto muito poético.Lindo.

Bjs, Sim.