segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O que existe entre Eu, Epicuro e Aracru

Por Aline Yasmin

- Você conseguiria viver numa casinha fora da cidade e perto da natureza?
Acordei com essa pergunta escorrendo em meus ouvidos. Eram 8 da manhã e meus olhos não estavam totalmente abertos. Eu sentia ainda aquele torpor Alpha de quem está se religando ao mundo depois de uma deliciosa noite de sono.
Os pássaros pararam de cantar há tempos e o dia parecia noite - chovia.

Considero-me uma pessoa urbana daquelas que transitam instintivo ou racionalmente em qualquer lugar do mundo onde haja concreto, semáforos, motores e atividades afins. Risco a geografia mentalmente e vou sem o menor complexo das diferenças geoculturais, norteada pela “segurança” do mercado global: até meu Fox brasileiríssimo anda pelas ruas de sua gênese tedesca. O fato de eu fluir – no sentido fluência – em espaços urbanos tão naturalmente, também não quer dizer que seja esse meu estado natural e nisso consiste o dilema – ser-natural numa essência não-natural. Espero me fazer entender.

O mar em Caraíva é um misto de sal e doce – muito sal e muito doce: mistura do rio que desagua e divisa o pequeno vilarejo. As ruas são de areia fofa e o meio de transporte mais eficiente é o jumento – bicho trabalhador. Seu Beto tem aproximadamente 60 anos e guarda ainda uma certa urbanidade – talvez no corte de cabelo que insistiu em se moldar e nos modernos aros do óculos de grau – dando-lhe um ar de universalidade. Partiu de São Paulo antes que São Paulo o partisse no meio. Era industrial bem sucedido mas a vida já não respondia mais – os excessos o guiavam. Excesso de trânsito, agendas e problemas. Não excedia em nada o tempo a si mesmo até que tirou férias depois de 15 anos e foi para uma vila antiga guardada no meio do mundo. De lá não saiu mais. O que era uma semana, virou um mês, dois anos e hoje já comemora 10, em sua pousada de frente para o mesmo mar (que muda de cor todos os dias e nunca é o mesmo)

- Rejuvenesci 20 anos. Ou seja, hoje estou 10 anos mais novo do que quando cheguei. Diz ele (eu acredito).

Com muito custo, saí da cama e fui para a varanda espiar o horizonte. Eu sempre confio na linha do horizonte quando muda o tempo. Santa Bárbara que me guia, dizem.
Sem ainda responder a intrigante pergunta, que no máximo esbocei um sorriso, levantei-me para acordar definitivamente.
Um fio rompia a massa cinza e o facho de luz me esperançava. Não que eu despreze um dia de chuva, mas em Aracruz – no nosso cantinho – gosto de caminhar na areia rente a restinga.
- Caminhar na areia faz bem pra alma, teorizo.
E na nossa praia, tem um “quê” de Bahia – (dos ventos quentes do nordeste) e guarda um pouco da “arquitetura” nativa das pedras e das árvores que se debruçam espontâneas na praia. Gosto de sentar nas raízes generosas que me aninham.

O trânsito – no empenhado compromisso de melhorar nossas vidas – anda “complexo”. Coisa pra quem entende de geometria analítica e lógica aristotélica. Eu, pra me manter em dia, ando consultando algumas teorias. – Tempos de mundanças – creio eu. Choro atrasada e confio. O tempo nunca dá tempo. Vejo livros amontoados pedindo socorro ao lado de minha cama. Meus arquivos e esboços criativos perdem seus prazos. A cidade cresce e eu encolho – digo. Não é mais possível fazer uma caminhadinha, sair 05 minutos antes e almoçar em casa. – Os tempos são outros – agonizo.

Penso no novo amigo Beto, feliz morador de uma pousada a beira-mar e o invejo. Não a clássica inveja pobre de espírito, mas aquela inspiradora, o que me remete a alguns filósofos gregos que pregam a Ataraxia – ou seja, fugir das perturbações da alma. Os epicuristas por exemplo se guardavam em seus jardins onde tinham toda a oportunidade do mundo para exercer o logos – prazer último do homem em busca da felicidade (que ninguém sabe muito bem o que é).

A nesga se rasga e clareia o céu. Caminho em direção a areia. A bela praia quase deserta se oferece a um passeio. Penso nos gregos, nos livros esquecidos e faço planos. A apenas uma hora – onde as árvores não são de plástico, o ruído não é motorizado e vibra simbiótico com o vento. Tenho a sensação de estar em contato com o que me é mais natural – ainda que seja tão urbana.

A primeira pergunta procura seu destino e eu ainda a problematizo:
- Por que não?

3 comentários:

Aline Yasmin, Bruno Vaks e Simone Silveira disse...

Aline, ao te conhecer, te vi natural, orgânica, "down to the bones"...mesmo sendo urbana.

Consegui ser transportada para este lugar onde se pode ver o horizonte não tão distante e o tempo corre diferente. Quanto prazer em se deixar ser, comunhão com a natureza.

Eu sou o meu melhor quando parte da terra, do mar, da água e do ar. Não somos todos?

Beijo,
Simone

ALINE YASMIN disse...

querida, esteve perto de minha essência. Esse é o sentido de uma amizade. bj's.

Letícia disse...

Aline, cheguei aqui pela Simone e fiquei encantada com seu texto. Senti-me assim ao voltar de férias nesse ano. Precisava dos dez anos do Beto...