sábado, 1 de setembro de 2007

Sobre alteridade e meus filhos

Aline Yasmin

Lucca chegou da escola correndo como sempre – crianças sempre correm. Renzo, mais contemplativo, somente resmunga um pouco de alguma coisa do caminho com ar de espanto, o que é totalmente diverso da expectativa que tive sobre suas personalidades quando ainda eram bebês. Minha irmã Elian admirada com a placidez de Lucca – ao contrário de Giulia, minha sobrinha – sempre me dizia: “…você tem um anjo, minha filha…” era de fato, um bonecão bolachudo e com três redemoinhos – um a cair pela testa, que lhe davam um perfil angelical, somado ao fato de estar sempre com olhos arregalados, atentos, mas completamente silencioso. Renzo, nasceu com a pá virada, embora no banho – ao contrário do irmão – sempre fazia festa. Chorava copiosamente e o peito – seu alento – tinha que estar disponível para apartar o grito desenfreado.

A bola corre lá fora na quadra descoberta. Eu na janela de meu quarto, vejo o menino suado embrenhando-se estratégia adentro com um sorriso campeão. Renzo, brinca com outra bola no canto e ajuda um bebê nos seus primeiros passos. Lucca, faz gol e comemora enérgico. Renzo sorri vitorioso e conivente com os passinhos dados pelos pés emparelhados na grade lateral. Ambos trazem ideais dentro de si.

Sou irmã gêmea univitelina. Essa não é propriamente uma escolha, mas uma grande experiência. Viver a identidade ou a falta dela é estar em contínuo contraponto, na medida em que geneticamente idênticas, escancaramos nossas vivências e a perspectiva traçada. Acabo concordando com os existencialistas de que a “existência precede a essência”, na medida em que nos fazemos, nos construímos ao longo de nossa vida. Sempre nos é cobrado um assemelhamento e acabamos por transferir para nossa relação o que gostaríamos de ver no outro. Gêmeo ou não,

Ir ao supermercado pode ser uma grande dialética: enquanto tento agradar ao Lucca – que adora Kani, desagrado Renzo que detesta. Para comprar o lanche da escola, fica ainda mais difícil: suco de uva pra Renzo, maracujá para Lucca, biscoito doce para Renzo e salgado para Lucca. Outro dia, comprei quilos de mamão despejados no carrinho, acreditando ser consenso da família e descobri que era apenas fruto da obsessão de Renzo. Comemos eu e ele por uma semana, mamão em todas as refeições. Lucca não gosta. Caminho assim, na tentativa respeitosa de estabelecer um diálogo sobre coisas mais profundas. A escola por exemplo, os amigos do condomínio e situações outras que nem sempre dá pra escolher. Entendendo que estão ali e também não podem ser removidos sob a nossa vontade.

Escolher ou não escolher. É um instante ou uma década. Não tem jeito, como diz meu amigo Sartre: “Tentar fugir é agir em má fé”. Ou como diz Heidegger: “um ser inautêntico”. De todas as formas, uma coisa é certa: estamos aqui, jogados no mundo, diante de perspectivas subjetivas ou concretas. É possível escolher um amigo? Acredito que sim, ao ser também escolhido. Mas, para tal não é necessário estabelecer uma negação sobre ele. É impositivo respeitá-lo, ainda que deixando claro os próprios limites como um código silencioso e ético de conduta.

Assim, Lucca corre sedento atrás da bola, Renzo não participa do time e escolhe brincar com uma criança menor. Ambos indiferentes ao desejo do outro, sem negá-los. Sem deixar de se amarem. Cada um no seu espaço, compreendendo ali sua missão, seu aqui e agora.

Alteridade pura. Pura ética.

Um comentário:

Aline Yasmin, Bruno Vaks e Simone Silveira disse...

Respeito à individualidade e à liberdade de escolha. Dois valores fundamentais à construção sadia de um indivíduo. É o que você, mãe,mulher e amiga, tem oferecido aos seus filhos, ao nos contar estes eventos da sua vida privada familiar.

Bjs,

Simone