quinta-feira, 25 de outubro de 2007

42nd Street

Por Simone Couto

Estava a caminho do Fashion District em Mahattan à procura de fitas coloridas. No trem me perdi lendo sobre as chamas lambendo o Estado da Califórnia. O trem diminuiu a velocidade. Na próxima estação, a 42nd Street, eu desceria. Guardei o jornal lido pela metade. Trem quase inerte. Me levantei e caminhei rumo à porta. Um rapaz jovem sentado à minha frente me olhou. Olhar de surpresa e despontamento. Tinha um caderno e lápis na mão. Furtivamente, mirei o papel daquele estranho. Então a imagem rabiscada se traduziu em familiaridade. Vi meu rosto, meus cabelos soltos, meu perfil agudo. Era eu. Era eu ali. Clara. Ele me rabiscou três vezes. De frente, de lado. Aquele homem me desenhou e eu nem notei. Ando dispersa por estes dias, bem sei. Ele me notou quando eu mesma não me notava. Um dia me disseram ser eu uma musa inspiradora. Não era mas escolhi acreditar. Sempre se sofre desmedidamente quando enganado. Há enganos que escolhemos para agradar à alma vaidosa. São enganos feitos de temporaneidade. Como água que mais cedo ou mais tarde sempre evapora. Até esta manhã, de verdade, nunca servi de inspiração para ninguém. Para mim mesma, talvez, jamais para o outro. Comigo sou honesta. Breve. Dura. Ora me inspiro nos confusos labirintos que crio a todo tempo para ter alegria, ora na saudade e tristeza sem lógica, ambas tatuadas em minhas entranhas, ora nas minhas obsessões carnais e outras mais da alma. Mas hoje, hoje eu fui verdadeiramente uma musa. Ninguém me contou. Eu vi.

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