Por Simone Couto
Eu chorei você não viu. Também não compreenderia.
Eu me aprontei toda. Pensei em colocar a minha melhor roupa e acabei mudando de idéia. Queria te encontrar como realmente sou. Não prendi meus cabelos, não usei batom vermelho. Me preenchi de coragem.
O que fiz foi esvaziar a mente. Desmarquei a reunião das 11:00 horas com um cliente, liberei a empregada. Fui até a esquina. Comprei um ramalhete de dálias alaranjadas. De volta à casa, dispus uma por uma no vaso e o coloquei na mesa ao lado da cama. As dálias dividiram em harmonia o espaço com a edição antiga de Madame Bovary. Antes de tomar um banho e me preparar, telefonei para o taxi e pedi que me pegasse às 19:00 horas. “Não posso me atrasar, por favor informe ao motorista,” eu disse à telefonista da agência de taxi.
O mar é traiçoeiro, pensei ao passar pelo o Aterro do Flamengo e ao avistar árvores crescendo em solo frágil. Seguimos. As ruas estreitas e as curvas do morro surgiam aos poucos. Aquilo tudo era uma visão familiar. O taxi parou. Paguei o que devia. Desci.
Pisei em Santa Teresa e as primeiras gotas de chuva, quase invisíveis, molharam a linha do bonde, os paralelepípedos disformes, as buganvílias agarradas no muro, o mesmo de meses antes, onde nos apoiamos entre uma banda carnavalesca e um beijo perdido na multidão. 19:20. ainda tenho dez minutos. Que fazer com estes dez minutos? Quis acender um cigarro mas não tinha fósforo.
Meu choro você não ouviu. Derramei umas poucas lágrimas. O porvir foi assim, eu te conto: Sentei-me no meio-fio, tirei um livro de Freud de dentro da bolsa. O abri em uma página qualquer. Li: Quando amam não desejam; e quando desejam, não podem amar. (Cap. IV, II,2).
Meses sem noticias e agora ele quer me ver? Desci a ladeira caminhando com passos tortos por entre os trilhos. Todo caso de amor fulminante, mais cedo ou mais tarde passa, suspirei aliviada. Cinzas, só as da quarta-feira.
3 comentários:
querida, lindo texto. Remeteu-me ao desejo e ao desencontro...belas imagens...bj's.
desejo e desencontro...
onde há desejo não há desencontros.
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