domingo, 3 de fevereiro de 2008

Sobre Desejo e Luto
Por Aline Yasmin

Há aproximadamente 3 meses li espantada o trecho do delicioso livro presenteado por minha querida aflipta, Simone. Li em voz alta pra que pudesse compartilhar o quanto deveria ser interessante sobre o que entendemos a respeito de nossas relações e mais ainda, sobre o desejo:

“...Amar outra pessoa consiste em investir nela a libido originalmente concentrada no ego. O outro se torna ideal do ego. Deste modo, em caso de morte ou de separação do ser amado, o ego, como que esvaziado do seu ser e da sua substância, se identifica com o objeto perdido no luto...Existe aqui sofrimento, mas também pelo fato de uma descarga afetiva, um gozo masoquista. O suicídio do ego é sem dúvida uma metáfora, dado que o ser do objeto substitui o ser do sujeito... "(Camille Dumoulié, O desejo)

Não poderia supor que em tão pouco tempo poderia experimentar o que de fato concordara.

Viver o desejo talvez seja o próprio enigma da esfinge. Aquele a que todos julgamos enfrentar e que muitas vezes custa-nos a própria vida.

Concuspicência? Potência em movimento? Ego? Vontade? Liberdade?

Muito se fala desde que o homem resolveu abandonar sua caverninha pra entender um pouco dos ruídos que extrapolavam seus sentidos. Daí pra se comunicar e pra buscar o logos, foi um pulo. Poucos séculos diante da eternidade. Bastou que se racionalizasse a questão, organizassem a sociedade em métodos e artífices, para que daí surgissem os dogmas, os preceitos e doutrinas incorporadas às culturas específicas. O homem se distribuiu em credos, dividiu-se em cores, etnias, em espaços e linguagens. Cada um estabelece o que é e o que faz – de acordo com suas crenças – que na verdade, poucas são verdadeiramente suas, consensadas arbitrariamente (parece e é – incoerente).

Saímos do estágio animal – inferior, sensível – para o privilegiado “sapiens”: brigamos por poder, matamos por orgulho, superamos os animais e exploramos sua pele. Arrancamos da natureza o que for possível e lucrativo. Das tribos tornamo-nos sociedades, impérios, dos impérios – países, e agora estamos globalizados.

Mas, ainda amamos, ainda desejamos, exercitamos o nosso lado mais instintivo, mais cruel, mais primata. Mesmo que o façamos na busca por nós mesmos – diante de uma teoria lacaniana, o fazemos. Somos cio, somos sexo, somos impulso, somos sentidos.

Convivemos lado a lado com a hipocrisia que nos molda, dialogamos com a moral. Mentimos, porque fica mais fácil. Porque a ética existencial não convive com a moral e com a estética do Bem cristão. Aquele que prefere manter sob a aparência, aquele que não suporta ver-se superado pelo próprio instinto, aquele que quer ser amado, que pactua com os discursos e dorme sob eles.

Mentimos porque a liberdade custa caro. Mentimos porque estamos sós. Vivemos em silêncio. Porque precisamos desfilar em aceno para a multidão que nos assiste – sós. Porque somos julgados, porque cobramos o que não fazemos – por medo. Somos reféns das celas que forjamos. Convivemos com as amarras que nos demos. Porque temos medo de não corresponder. E sorrimos enquanto gostaríamos de chorar.

Fugimos quando precisaríamos enfrentar o medo e a solidão e buscamos o Outro: aquele que somos nós, aquele a quem perdemos, aquele a quem não somos fortes o suficiente para nos bastar. Buscamos afeto, buscamos sonhos – mas temos medo de viver o nosso próprio luto e de enfrentar aquele que não permitimos ainda nascer.

Para responder a questão que nos coloca a brillhante autora: ...Por que o desejo do sujeito conduz, para lá do amor, a uma espécie de deserto onde se acha mais perto do seu ser?”

Eu arriscaria: Por que estamos sós, Camille. O deserto somos nós.



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